É, o canarinho pousou. Deu não. Fiquei chateada, é claro. Não tanto pelas folgas futuras (depois do jogo de sexta, a Copa não me renderia mais nenhuma anyway), mas pelo Brasil mesmo, que a gente não é de ferro. Fiquei chateada sim, mas não com a Holanda. Pelo contrário: agora estou torcendo por ela. Além do fato de a Laranja nunca ter levado nenhum caneco – o que soa absurdo diante de sua reputação mecânica –, admirei sinceramente aquela capacidade disciplinada, europeia, de tomar um gol e se reerguer. Acabar o primeiro tempo "levando" e se reinventar. Ter toda a torcida brasileira (estardalhaçante pela própria natureza) vuvuzelando nos ouvidos e fingir que nem aí. Não é pra todo mundo, sabemos por experiência própria: no primeiro golzinho – de empate! – que realmente ameaçou seu reinado na Copa, os meninos cá da terrinha cansaram de brincar e correram pra saia da mãe. Amarelaram – canarinhamente.
Não estou dizendo que era fácil a missão dos onze escolhidos de Dunga, ou que até minha avó faria mais um gol. Eu também tremeria nas bases. Também sentiria a pressão e, provavelmente, alguma tontura. Só que a Holanda sentiu igualmente, e infelizmente o mundo nos obriga a inevitáveis comparações – que servem, quanto mais não seja, de exemplos. Bons para autocrítica sem autoindulgência.
Vivos, levamos uma série ininterrupta de gols no primeiro tempo. Às vezes literalmente: chegamos à escola relaxados e, nos quinze minutos iniciais de aula, já fomos desrespeitados e estamos berrando. Descobrimos que um amigo (primo, colega, ex) anda espalhando fofocas não exatamente gentis. Somos recusados no emprego por não ter *** (complete: experiência, mestrado, domínio de Linux, mandarim fluente). Temos um livro recusado pela editora. Um projeto de pesquisa recusado pela banca. Um pedido de empréstimo recusado pelo banco. Falimos, demitimo-nos, adoecemos, perdemo-nos. Acontece. E a vontade é amarelar, correr às tontas, dar um pisão no primeiro adversário disponível. O pior: achar que qualquer outro gol nosso está fora de questão.
Duas consequências mais que certas. Em primeiro lugar, o jogo vai provar que estávamos corretos: não fazemos mais gol. O ato de fazer gol é impossível a quem não chuta e mete as caras, os corações, os pés. Em segundo lugar, achando-nos atarantados o bastante, o adversário faz mais um golzinho feliz – só pra garantir. E é justo, é muito justo, é justíssimo. Vitória se sela machucando rede, não coxa de holandês.
Quase sempre estou (canarinhamente) no time dos que se desesperam, começam a fragilizar defesas e correm contra o tempo sem grandes direções – não sabendo por onde começar a sair das abominações do município, por exemplo. Furada. Negócio mesmo é holandizar-se. Ter uma boa conversa consigo mesmo no vestiário, gritar que ainda rola muito jogo e, de preferência, botar em prática todos aqueles movimentos friamente calculados, ensaiados em momentos de relax. Fazer valer nossas duas metades da laranja, nossa docice e nossa frieza – o que temos de suculentamente emocionais e o que temos de técnicos, europeus, mecânicos.
Só falta me lembrar disso na próxima partida. E correr pro abraço.