sábado, 29 de maio de 2010

Despacientes

O colega que comentou amavelmente no primeiro post sublinhou que, para ser professor e médico, é preciso "gostar de gente". Concordo em gênero, número e... e as concordâncias só existem até aí. Mas vejamos o médico, por exemplo. Não é ele quem vai aos pacientes para implorar a chance de oferecer-lhes a cura. Não lhes enfia os remédios goela abaixo. Os doentes, muito ou pouco doentes, procuram-no e teoricamente se submetem a suas recomendações. Sim, há os rebeldes – mas não é o médico que fica com a fama de mau médico se o paciente rebelde se estrepa. O médico não precisa, em princípio, "motivar" o doente a se tratar. A doença o motiva. Ao médico basta o estar ali, o ser autoridade no assunto. Basta ser profissional, sério, competente, ter boa vontade, estar disponível. Adorável ou não, brincalhão ou não, simpático ou não, para ser bom médico basta ser bom médico. Que goste de gente sim, é claro, porém sem ter a obrigação de virar pai, mãe, babá e amigo de infância.

Nós, professores, trabalhamos com despacientes. Sim, a negativa está certa. Não são impacientes, são despacientes mesmo. Os doentes que se recusam a se aceitar como tais, atrás de quem somos profissionalmente obrigados a correr e oferecer, de bandeja, a cura. Não querem, não aceitam. Devemos "motivá-los" a desejar o que não desejam, suportá-los, amá-los, aceitar todas as ofensas, todos os desrespeitos – porque "são assim mesmo". O professor é o médico que apanha do mundo por não conseguir convencer os doentes a se tratarem. E apanha também se os doentes não o amam. Se não tomam o remédio. Apanha, principalmente, se morrem.

Não nos basta ser bons professores, sérios, competentes, cientes de nossa responsabilidade e matéria: temos de desempenhar o nosso papel e o dos "pacientes", encarnar em suas vontades e viver através deles. Os professores vivemos dentro de um monólogo; nós somos, por fado e fardo, todos os necessários personagens da história. E seu escritor também.

3 comentários:

Poseidon disse...

Ótimo post, realmente muito inteligente e bem escrito. Professores são alguns dos profissionais mais cobrados e que mais se fodem, além de receberem uma miséria ao final do mês e terem de aturar impropérios de crianças birrentas e as vezes até mesmo ameaças.

Para o médico basta dar as recomendações e as receitas necessárias, já o professor precisa fazer o aluno se interessar do contrário apanhamos e feio! Partilho da tua dor cara colega professora xD

Cris disse...

Achei legal seu post. Mas embora concorde com a maioria d suas palavras, acho que você generalizou um pouco. Sejam médicos ou qualquer outro profissional, tem que gostar do que faz. Isso o tornará um bom profissional certamente. E se sua profissão requer tratar direto com pessoas... ele tem que gostar muito. Principalmente porque envolve muito o psicológico. Mas realmente não dá para virar pai, mãe, babá e amigo de infância... acho que é aquele famoso meio termo...tão difícil.
BOm, é minha opinião...mas gostei de mais do seu blog, parabéns!!! Fazia tempo que não achava um com textos de opiniões pessoais tão bacanas. Já estás na minha lista d blogs que vou acompanhar, e sempre que puder vou passar por aqui.
Agora...se me der licença, vou dar mais uma xeretada. rsrsrs

Márcia Neves disse...

Maravilhoso o post! Vc deveria mandar todos estes textos para os e-mails do prefeito e da Claudia Costin. Nunca vi rede pra colocar o professor tão pra baixo como o município do Rio!! Todas as culpas do mundo são jogadas sobre os nossos ombros já tão cansados e sobrecarregados... Já o aluno...Bem, se ele lhe esbofetear a face direita, lhe ofereça também a esquerda. Afinal, ele tem tantos problemas. Além disso, vc é o educador!!!
Bjos, sempre torcendo por dias melhores...